Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 12
12. O COMEÇO DA ETERNIDADE
 

Harlan não teria imaginado que Twissell pudesse ter dito qualquer coisa, naquele momento, que o surpreendesse. Estava enganado.

- Mallansohn. Ele... - disse ele.

Twissell, tendo fumado seu cigarro até a ponta, exibiu outro e disse: - Sim, Mallansohn. Quer um rápido resumo da vida de Mallansohn? Aqui está. Ele nasceu no século 78, passou algum tempo na Eternidade e morreu no século 24.

A mão pequena de Twissell colocou-se suavemente no ombro de Harlan e seu rosto gnômico quebrou-se na extensão enrugada de seu sorriso costumeiro. - Mas vamos, rapaz, o fisiotempo passa até mesmo para nós e hoje não somos completamente senhores de nós mesmos. Quer vir comigo até meu escritório?

Ele foi na frente e Harlan o seguiu, não inteiramente consciente das portas que se abriam e das rampas que se moviam.

Ele estava relacionando a nova informação ao seu próprio problema e plano de ação. com a passagem do primeiro momento de desorientação, sua resolução retornou. Afinal de contas, como é que isso mudava as coisas, senão para tornar sua própria importância para a Eternidade ainda mais crucial, suas exigências mais certas de serem satisfeitas. Noys com mais certeza de voltar para ele?

Noys!

Pai Tempo, eles não devem fazer mal a ela! Ela parecia a única parte real de sua vida. Toda a Eternidade ao lado era somente uma tênue fantasia, e não uma que valesse a pena, também.

Quando se encontrou no escritório do Computador Twissell, não conseguiu lembrar-se claramente de como se dera a sua passagem da sala de jantar para ali. Embora olhasse em volta e tentasse fazer o escritório parecer real por força bruta da massa de seus conteúdos, ele ainda parecia uma outra parte de um sonho que tinha conservado sua utilidade.

O escritório de Twissell era uma sala limpa e comprida de assepsia de porcelana. Uma parede do escritório era abarrotada, do chão ao teto e de parede a distante parede, de micro-unidades que, juntas, formavam o Computaplex da Eternidade mais particularmente operado e, na verdade, um dos maiores de todos. A parede oposta, cheia de filmes de referência. Entre as duas, o que restava da sala era um pouco mais que um corredor, interrompido por uma escrivaninha, duas cadeiras, equipamento de gravação e projeção e por um objeto incomum, com cuja aparência Harlan não estava familiarizado e que não revelou sua utilidade até que Twissell depositou nele os restos do cigarro.

O cigarro faiscou silenciosamente e Twissell, em seu modo usual de prestidigitação, fez aparecer outro na mão.

Ao assunto, agora, pensou Harlan.

De maneira um pouquinho estridente demais, um pouco truculenta, ele começou: - Há uma garota no século 482...

Twissell franziu as sobrancelhas e agitou a mão rapidamente, como se colocando de lado impacientemente um assunto desagradável. - Eu sei, eu sei. Ela não será perturbada, nem você. Tudo estará bem. Cuidarei para que esteja.

- O senhor quer dizer...

- Digo-lhe que sei da estória. Se o assunto o tem preocupado, não mais precisa preocupá-lo.

Harlan fitou o outro homem, estupefato. Embora houvesse pensado concentradamente na imensidade de seu poder, não tinha esperado tão clara demonstração.

Mas Twissell falava outra vez.

- Deixe-me contar-lhe uma estória - começou ele, quase com o tom que teria usado ao dirigir-se a um Aprendiz recentemente empossado. - Eu não havia pensado que isso seria necessário, e talvez ainda não seja, mas suas pesquisas e compreensão merecem-no.

Ele fitou Harlan estranhamente e disse: - Sabe, ainda não consigo acreditar completamente que você elaborou tudo isso por conta própria - e então continuou:

- A maioria dos homens da Eternidade sabem como Vikkor Mallansohn deixou para a posteridade a história de sua vida, após sua morte. Não era bem um diário, nem bem uma biografia. Era mais um guia, deixado para os Eternos que ele sabia que algum dia existiriam. Ele foi encerrado num volume de estase do Tempo que somente poderia ser aberto pelos Computadores da Eternidade e que permaneceu lacrado durante três séculos após sua morte, até que a Eternidade foi estabelecida e o Computador Sênior Henry Wadsman, o primeiro dos grandes Eternos, o abriu.

Desde então o documento tem sido passado adiante na mais estrita segurança, por uma série de Computadores Sêniores, terminando comigo mesmo. Referem-se a ele como sendo a autobiografia de Mallansohn.

- A autobiografia conta a estória de um homem chamado Brinel d'água d'águaey Sheridan Cooper, nascido no século 78, nomeado Aprendiz na Eternidade com a idade de vinte e três anos, tendo sido casado durante pouco mais de um ano, mas não tendo filhos até então.

- Tendo entrado na Eternidade, Cooper aprendeu matemática com um Computador chamado Laban Twissell, e sociologia Primitiva, com um Técnico chamado Andrew Harlan.

Após uma instrução básica completa em ambas as disciplinas e em matéria tais como engenharia temporal, também, ele foi mandado de volta ao século 24 para ensinar certas técnicas necessárias a um cientista Primitivo chamado Vikkor Mallansohn.

- Uma vez tendo alcançado o século 24, ele iniciou primeiramente um lento processo para ajustar-se à sociedade. Nisso ele tirou grande proveito do treinamento

do Técnico Harlan e do conselho detalhado do Computador Twissell, que parecia ter uma fantástica visão dos problemas que ele iria enfrentar.

- Passados dois anos, Cooper localizou um Vikkor Mallansohn, um eremita excêntrico nas regiões florestais da Califórnia, sem parentesco e sem amigos, mas dotado de mente intrépida e não-convencional. Cooper fez amizade lentamente, aclimatou o homem ao pensamento de ter encontrado um viajante do futuro ainda mais lentamente e começou a ensinar ao homem a matemática que ele devia saber. - com a passagem do tempo, Cooper adotou os hábitos do outro, aprendeu a se defender com a ajuda de um grosseiro gerador elétrico à base de óleo Diesel e com a instalação de dispositivos elétricos, que os livravam da dependência de irradiações de energia.

- Mas o progresso era lento, e Cooper achou-se algo menos do que um professor admirável. Mallansohn tornouse moroso e não-cooperativo, e então um dia morreu, subitamente, ao cair numa garganta da região agreste e montanhosa em que viviam. Cooper, após semanas de desespero, com a ruína da obra de toda a sua vida e talvez de toda a Eternidade diante de si, decidiu fazer uma tentativa desesperada. Não comunicou a morte de Mallansohn. Ao invés, passou a construir lentamente, com os materiais à mão, um Campo Temporal.

- Os pormenores não importam. Ele conseguiu êxito após muito trabalho penoso e improvisação e levou o gerador ao Instituto de Tecnologia da Califórnia, exatamente como esperara que o verdadeiro Mallansohn fizesse, anos antes.

- Você conhece a história por seus próprios estudos. Você sabe dos descréditos e recusas que ele enfrentou a princípio, seu período sob observação, sua fuga e a quase perda de seu gerador, da ajuda que ele recebeu do homem do restaurante, cujo nome ele nunca soube, mas que é hoje um dos heróis da Eternidade, e da demonstração final, pelo Professor Zimbalist, na qual um rato branco moveu-se para trás e para diante no Tempo. Não o aborrecerei com nada disso.

- Cooper usou o nome de Vikkor Mallansohn em tudo porque isso lhe dava uma cobertura e tornava-o um produto autêntico do século 24. O corpo do verdadeiro Mallansohn nunca foi encontrado.

- O restante de sua vida ele dedicou ao seu gerador e ajudou os cientistas do Instituto a duplicá-lo. Não ousou fazer mais que isso. Não podia ensinar a eles as equações de Lefebvre, sem esboçar três séculos de desenvolvimento matemático que estavam por vir. Ele não podia, não ousou aludir à sua verdadeira origem.

Não ousou fazer mais do que o verdadeiro Vikkor Mallansohn teria feito, de acordo com seu conhecimento.

- Os homens que trabalharam com ele ficaram frustrados por encontrar um homem que podia sair-se tão brilhantemente e contudo ser incapaz de explicar os porquês de seu desempenho. E ele próprio ficou frustrado também, porque previu, sem ser de forma alguma capaz de apressar, a obra que levaria, passo a passo, às clássicas experiências de Jan Verdeer, e como a partir dela o grande Antoine Lefebvre elaboraria as equações básicas da Realidade. E como, depois disso, a Eternidade seria construída.

- Foi somente quase no fim de sua longa vida que Cooper, fitando o pôr do sol no Pacífico (ele descreve a cena com algumas minúcias em suas memórias), chegou à grande conclusão de que ele era Vikkor Mallansohn; de que não era um substituto, mas o próprio homem. O nome poderia não ser seu, mas o homem que a história chamava de Mallansohn era realmente Brinel d'água d'águaey Sheridan Cooper.

- Animado com a idéia e com tudo que ela envolvia, ansioso para que o processo de estabelecer a Eternidade fosse de alguma forma apressado, aperfeiçoado e tornado mais seguro, ele escreveu sua autobiografia e colocou-a num cubo de estase no Tempo na sala de estar de sua casa.

- E assim o círculo se fechou. As intenções de CooperMallansohn ao escrever a autobiografia foram naturalmente desconsideradas. Cooper deve passar sua vida exatamente como passou. A Realidade Primitiva não permite mudanças. Neste momento em fisiotempo, o Cooper que você conhece está inconsciente do que está à frente dele. Ele crê que vai somente instruir Mallansohn e retornar. Ele continuará a pensar assim até que os anos lhe ensinem o contrário e ele se sente para escrever suas memórias.

- A finalidade do círculo no Tempo é estabelecer o conhecimento da viagem no Tempo e a natureza da Realidade, construir a Eternidade antes de seu Tempo natural.

Por si mesma, a humanidade não teria descoberto a verdade sobre o Tempo, antes que seus avanços tecnológicos em outras direções houvessem tornado o suicídio racial inevitável.

Harlan ouviu com atenção, apanhado na visão de um imenso círculo no Tempo, fechado sobre si mesmo e atravessando a Eternidade em parte de seu curso. Ele chegou tão perto de esquecer Noys, no momento, quanto já conseguira.

- Então o senhor sempre soube tudo que o senhor ia fazer, tudo que eu ia fazer, tudo que fiz? - perguntou ele.

Twissell, que parecia perdido na narração da estória, olhando através de uma névoa azulada de fumaça de cigarro, voltou lentamente à vida. Seus olhos velhos e sábios fixaram-se em Harlan e ele disse de modo repreensivo: - Não, é claro que não. Houve um lapso de décadas de fisiotempo entre a permanência de Cooper na Eternidade e o momento em que ele escreveu sua autobiografia. Ele podia lembrar-se somente do equivalente, e somente do que ele mesmo havia presenciado. Você deve perceber isso.

Twissell suspirou e passou um dedo torcido por uma linha de fumaça que subia, quebrando-a em pequenos espirais turbulentos. - Isso se desenvolveu. Primeiro, fui encontrado e trazido à Eternidade. Quando, na plenitude do fisiotempo, tornei-me Computador Sênior, foi-me dada a autobiografia e fui colocado a cargo. Fui descrito como estando a cargo, portanto fui colocado a cargo. Novamente na plenitude do fisiotempo, você apareceu numa mudança de Realidade (havíamos observado cuidadosamente os seus análogos anteriores), e então Cooper.

- Acrescentei os pormenores usando meu senso comum e os serviços do Computaplex. Quão cuidadosamente, por exemplo, instruímos o Educador Yarrow em sua parte, sem revelar nada da verdade significante. Quão cuidadosamente, por sua vez, ele estimulou seu interesse pelo Primitivo.

- Quanto cuidado tivemos para evitar que Cooper descobrisse qualquer coisa que não provou ter aprendido por referência na autobiografia.

Twissell sorriu de modo abatido.

- Sennor diverte-se com assuntos tais como este. Ele chama isso de reversão de causa e efeito. Conhecendo-se o efeito, determina-se a causa. Felizmente não sou o tecedor de teias que Sennor é.

- Fiquei satisfeito, rapaz, por sabê-lo tão excelente Observador e Técnico. A autobiografia não havia mencionado isso, pois Cooper não teve oportunidade de observar seu trabalho ou avaliá-lo. Isso me agradou. Eu poderia ter usado você numa tarefa mais comum que teria tornado a essencial menos notável. Mesmo sua recente permanência com o Computador Finge se encaixou. Cooper mencionou um período de sua ausência durante o qual seus estudos de matemática ficaram tão difíceis que ele desejou o seu retorno. Certa vez, contudo, você me alarmou.

- O senhor quer dizer a vez em que levei Cooper pelas colunas de caldeira - disse Harlan rapidamente.

- Como adivinhou? - perguntou Twissell.

- Foi a única vez em que o senhor ficou realmente zangado comigo. Agora suponho que aquilo foi contra alguma coisa das memórias de Mallansohn.

- Não exatamente. Apenas que as memórias não falavam das caldeiras. Pareceu-me que o fato de ter evitado mencionar um aspecto tão saliente da Eternidade significava que ele tinha pouca experiência com ela. Era minha intenção, portanto, conservá-lo longe das caldeiras tanto quanto possível. O fato de você o ter levado para o futuro numa delas inquietou-me bastante, mas nada aconteceu depois disso. As coisas continuaram como deviam, portanto tudo está bem.

O velho Computador esfregou uma mão lentamente sobre a outra, fitando o jovem Técnico com um olhar composto de surpresa e curiosidade. - E todo o tempo você estava supondo isso. Isto simplesmente me assombra. Eu teria jurado que mesmo um Computador completamente treinado não poderia ter feito as deduções corretas, dado somente as informações que você deu. É fantástico que um Técnico o faça - ele se inclinou para a frente e bateu de leve no joelho de Harlan. - As memórias de Mallansohn nada dizem sobre sua vida após a partida de Cooper, naturalmente.

- Entendo, senhor - disse Harlan.

- Estaremos livres, então, num modo de falar, para fazer com ela o que quisermos. Você mostra um surpreendente talento que não deve ser desperdiçado.

Acho que você está destinado a ser algo mais que um Técnico. Nada prometo agora, mas presumo que você compreende que a posição de Computador é uma possibilidade distinta.

Foi fácil para Harlan conservar seu rosto sombrio sem expressão. Para isso tivera anos de prática.

Um suborno adicional, pensou ele.

Mas nada deve ser deixado para conjectura. Suas conclusões, superficiais e não-confirmadas no início, às quais ele chegou por uma singularidade de compreensão no decurso de uma noite muito incomum e estimulante, haviam-se tornado razoáveis como o resultado de pesquisa de biblioteca dirigida. Elas haviam se tornado certeza, agora que Twissell lhe havia contado a estória. Contudo, pelo menos em um aspecto houvera uma divergência. Cooper era Mallansohn.

Aquilo tinha simplesmente melhorado a sua posição, mas, estando errado num ponto, poderiam estar também em outro. Não devia deixar nada ao acaso, então. Tire a dúvida!

Certifique-se!

- A responsabilidade é grande para mim, também, agora que conheço a verdade - disse ele moderadamente, quase casualmente.

- Sim, realmente?

- Quão frágil é a situação? Suponha que algo inesperado estivesse para acontecer e eu tivesse de falhar um dia quando devia ter estado ensinando a Cooper algo vital.

- Não o entendo.

(Era imaginação de Harlan ou uma centelha de alarme havia aparecido naqueles olhos velhos e cansados?)

- Quero dizer, o círculo pode romper-se?  Deixe-me colocar as coisas deste modo. Se um golpe inesperado na cabeça coloca-me fora de ação numa hora em que as memórias afirmam claramente que estou bem e ativo, o esquema todo é rompido? Ou suponha que por alguma razão eu decida deliberadamehte não seguir a autobiografia.

E daí?

- Mas quem colocou tudo isso na sua cabeça?

- Parece um pensamento lógico. Parece-me que por uma ação descuidada ou intencional, eu poderia quebrar o círculo; e daí, então? Destruir a Eternidade? Parece que sim. Se for assim - acrescentou Harlan calmamente - deviam dizer-me que devo tomar cuidado para não fazer nada inconveniente. Embora eu imagine que seria necessário uma circunstância bem incomum para conduzir-me a tal coisa.

Twissell riu, mas a risada soou falsa e vazia no ouvido de Harlan. - Isto tudo é puramente acadêmico, meu rapaz. Nada disso acontecerá, já que não aconteceu. O círculo completo não se quebrará.

- Poderia - disse Harlan. - A garota do século 482...

- Está em segurança - disse Twissell. Ele se levantou, impaciente. - Não há fim para este tipo de conversa e tenho o suficiente de lógica inconstante proveniente do resto do subcomitê encarregado do projeto. Entrementes, tenho ainda de dizer-lhe para que o chamei aqui a princípio, e o fisiotempo ainda está passando. Quer vir comigo?

Harlan estava satisfeito. A situação estava clara e sua força, indiscutível. Twissell sabia que Harlan poderia dizer, à vontade: "Nada mais terei a ver com Cooper".

Twissell sabia que Harlan poderia destruir a Eternidade a qualquer momento, dando a Cooper informação significativa em relação à autobiografia.

Harlan sabia o suficiente para ter feito isso no dia anterior. Twissell pensara dominá-lo com o conhecimento da importância de sua tarefa, mas se o Computador havia pensado em forçá-lo a seguir aquele caminho, estava enganado.

Harlan havia deixado bem clara a sua ameaça com respeito à segurança de Noys, e a expressão de Twissell, quando havia vociferado "Está em segurança" mostrara que ele compreendia a natureza da ameaça.

Harlan levantou-se e seguiu Twissell.

Harlan nunca tinha entrado na sala que então entraram. Ela era grande e parecia que as paredes haviam sido derrubadas para o bem dela. Tinham entrado nela por um corredor estreito que estivera bloqueado por uma cortina de força que não desceu antes de uma pausa suficiente para o rosto de Twissell ser inteiramente esquadrinhado por mecanismo automático.

A parte mais larga da sala era ocupada por uma esfera que chegava quase até o teto. Uma porta foi aberta, mostrando pequenos degraus que levavam a uma plataforma bem iluminada dentro dela.

Soaram vozes de dentro e, exatamente quando Harlan olhou, apareceram pernas na abertura e desceram os degraus. Um homem surgiu e outro par de pernas apareceu atrás dele. Era Sennor, do Conselho Geral, e atrás dele estava outro do grupo que estivera à mesa de almoço.

Twissell não pareceu satisfeito com isso. Sua voz, contudo, soou contida. - O subcomitê ainda está aqui?

- Só nós dois - respondeu Sennor casualmente - Rice e eu. Um lindo instrumento temos aqui. Tem o nível de complexidade de uma espaçonave.

Rice era um homem barrigudo, com o olhar perplexo de quem está acostumado a estar com a razão, embora encontre-se inexplicavelmente no lado perdido de uma discussão.

Ele coçou seu nariz inchado e disse. - A mente de Sennor tem estado absorvida por viagens espaciais, ultimamente.

A cabeça calva de Sennor brilhou na luz. - É um ponto claro, Twissell - disse ele. - Vou expô-lo para você. A viagem espacial é um fator positivo ou negativo no cálculo da Realidade?

- A pergunta é insignificante - disse Twissell impacientemente. - Que tipo de viagem espacial, em que sociedade e sob quais circunstâncias?

- Oh, vamos. Certamente há algo a ser dito referindo-se à viagem espacial teoricamente.

- Apenas que é autolimitadora, que ela se consome e desaparece.

- Então ela é inútil - disse Sennor com satisfação - e conseqüentemente é um fator negativo. Inteiramente o meu ponto de vista.

- Se quer saber - disse Twissell - Cooper logo estará aqui. Precisaremos ter a sala desimpedida.

- Sem dúvida.

Sennor enganchou o braço no de Rice e conduziu-o para fora. Sua voz declarou claramente quando saíram: - Periodicamente, meu caro Rice, todo o esforço mental da humanidade é concentrado em viagem espacial, que é condenada a um fim frustrado pela natureza das coisas. Eu lhe explicaria os fundamentos se não soubesse que isso é óbvio para você. com as mentes concentradas no espaço, há negligência no desenvolvimento adequado das coisas terrestres. Agora estou preparando uma tese para submeter à apreciação do Conselho, recomendando que as Realidades sejam mudadas para se eliminar todas as eras de viagem espacial como um fato natural.

A voz penetrante de Rice ressoou. - Mas você não pode ser tão drástico. A viagem espacial é uma válvula de segurança valiosa, em algumas civilizações. Veja a Realidade 54 do século 290, por exemplo, da qual me lembrei por acaso. Agora aí...

As vozes interromperam-se e Twissell disse: - Um homem estranho, Sennor. Intelectualmente, ele vale o dobro de qualquer um de nós, mas seu valor se perde em entusiasmos passageiros.

- O senhor supõe que ele possa estar com a razão? - disse Harlan. - Quanto a viagens espaciais, quero dizer.

- Duvido. Teríamos uma melhor oportunidade de julgar, se Sennor realmente submetesse ao Conselho a tese que mencionou. Mas ele não o fará. Terá um novo entusiasmo antes que tenha terminado e deixado o velho. Mas não importa... - ele bateu a palma da mão na esfera, de maneira que ela produziu um ruído ressonante, e então puxou a mão de volta de modo a poder remover um cigarro da boca. - Consegue adivinhar o que é isso, Técnico?

- Isso parece uma caldeira descomunal com uma tampa - disse Harlan.

- Exatamente. Você está certo. Adivinhou. Entre.

Harlan seguiu Twissell para dentro da esfera. Era suficientemente grande para comportar quatro ou cinco homens, mas o interior era absolutamente inexpressivo. O chão era plano, e as paredes curvas eram interrompidas por duas janelas. Isto era tudo.

- Nada de controles? - perguntou Harlan.

- Controle remoto - respondeu Twissell. Ele passou a mão na parede lisa e disse: - Paredes duplas. Todo o volume entre as paredes é preenchido por um Campo Temporal autocontido. Este instrumento é uma caldeira que não está limitada às colunas de caldeira, mas que pode passar além do término da escala descendente da Eternidade.

Seu desenho e construção tornou-se possível por sugestões valiosas nas memórias de Mallansohn. Venha comigo.

A sala de controle era um canto isolado da grande sala. Harlan entrou e fitou sombriamente imensas barras coletivas.

- Pode ouvir-me rapaz? - disse Twissell.

Harlan sobressaltou-se e olhou em volta. Não havia notado que Twissell ficara para fora. Caminhou automaticamente até a janela e Twissell acenou para ele. - Posso ouvi-lo, senhor - respondeu Harlan. - Quer que eu saia?

- De forma alguma. Você está preso.

Harlan saltou para a porta, e seu estômago revirou-se numa série de nós frios e úmidos. Twissell tinha razão, e o que no Tempo estava acontecendo?

- Você ficará aliviado por saber, rapaz - disse Twissell - que sua responsabilidade acabou. Você estava preocupado por causa da responsabilidade; você fez perguntas perscrutadoras a respeito; e acho que sei o que você queria dizer. Isso não devia ser de sua responsabilidade. É só minha. Infelizmente, devemos deixar você na sala de controles, desde que está escrito que você estava aí e manejou os controles. Isto está registrado nas memórias de Mallansohn. Cooper vê-lo-á pela janela e cuidará disso.

- Além disso, pedir-lhe-ei para fazer o contato final de acordo com instruções que lhe darei. Se você acha que isso também é uma responsabilidade muito grande, pode ficar descansado. Outro contato paralelo ao seu está a cargo de outro homem. Se, por qualquer razão, você for incapaz de operar o contato, ele o fará. 

Além disso, interromperei a transmissão de rádio de dentro da sala de controle. Você poderá ouvir-nos, mas não poderá falar conosco. Não precisa temer, conseqüentemente, que alguma exclamação involuntária de sua parte quebre o círculo.

Harlan olhou para fora em desamparo.

Twissell continuou. - Cooper estará aqui dentro de momentos e sua viagem ao Primitivo terá lugar dentro de duas fisio-horas. Depois disso, rapaz, o projeto estará concluído e você e eu estaremos livres.

Harlan estava mergulhando chocadamente no vórtice de um pesadelo vigilante. Twissell o teria enganado? Tudo que ele havia feito teria sido destinado somente a colocar Harlan calmamente numa sala de controle trancada? Tendo descoberto que Harlan conhecia sua própria importância, teria ele improvisado com inteligência diabólica, conservando-o absorvido em conversa, entorpecendo suas emoções com palavras, levando-o para cá, levando-o para lá, até que fosse o momento oportuno de prendê-lo?

Aquela rendição rápida e fácil quanto a Noys. Não farão mal a ela, havia dito Twissell. Tudo estará bem.

Como pôde acreditar nisso! Se não iam fazer mal a ela ou tocá-la, por que a barreira temporal nas colunas de caldeira do século 100.000? Isso somente deveria ter traído Twissell por completo.

Mas porque ele (idiota!) quis acreditar, deixou-se conduzir às cegas durante aquelas últimas fisio-horas, ser colocado numa sala trancada, onde ele não mais era necessário, nem mesmo para operar o contato final.

De um só golpe havia sido despojado de sua essencialidade. As cartas de sua mão haviam sido habilmente transformadas em derrota, e Noys estava fora de seu alcance para sempre. Não lhe importava que punição o poderia estar esperando. Noys estava fora de seu alcance para sempre.

Nunca lhe ocorrera que o projeto estivesse tão próximo do fim. Isso, naturalmente, era o que realmente havia tornado possível a sua derrota.

A voz de Twissell soou indistinta. - O rádio será interrompido agora, rapaz.

Harlan estava sozinho, indefeso, inútil...
 
© alguemsemnome,
книга «O Fim da Eternidade».
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