A pintura
A pintura
O Lápis foi traçando finas linhas na tela, olhos, grandes, quase arregalados. Maçãs do rosto salientes. Lábios carnudos, caninos afiados, dentes brilhantes. Sobrancelhas finas, longos cabelos. Nariz levemente pontudo, sardas. Sorriso contagiante. Traços delicados. Aproximadamente dezesseis anos.
Fiz um sombreado ao menos razoável no desenho e pequei em minhas tintas e meu pincel. Olhos azul turquesa, sem iguais. Não consegui chegar à cor exata, mas, foi quase. Lábios avermelhados. Bochechas coradas. Cabelo ruivo, laranja, porém acobreado. Não consegui definir. Pele clarinha.
Pronto.
Eu vinha sonhando com essa garota há meses e nunca consegui reproduzir seu rosto com tanta perfeição quanto agora. Ela sempre parecia estar em perigo. Sentir dor. Sempre estava ofegante e tentava chegar ate mim, quando chegava, ela sorria e eu acordava, com milhares de pensamentos a rodar pela minha cabeça. Pensamentos que dessa vez foram interrompidos por um furacão de cabelos loiros se jogando sobre mim, larguei meu devaneio para segura-la antes que caísse.
-Clarisse Dawson! – Tentei expressar toda minha fúria, mas acabei soltando uma risada. - Doida
-Cole!- Respondeu sorrindo com os dentes brilhantes, como se não tivesse feito absurdamente nada. Além de quase me derrubar da cadeira e matar de susto.
Olhei para ela, contendo a risada ao olhar para seu rosto sujo de vários tons de diversas cores.
-Eu também estou aqui, Cole Foster, não vai me dar oi?
E também tem ela, Nina Hans, que costuma servir para, junto de Clarisse, ser meu carma. Ambas discordavam em tudo, exceto em comprar roupas novas e me infernizar.
-Quem é a maluca da vez? -perguntou Nina, sem deixar de analisar minha pintura.
-É a garota misteriosa dos sonhos dele. – Zombou a loira.
-É sim a garota. - Confessei – E é assim que eu a vejo: linda, perfeita e inalcançável.
-E de onde a conhece?- Ela me questionou e a olhei pela primeira vez até então, questionando do fundo do meu ser, de onde eu conhecia essa garota. De repente a sala parecia pequena para me abrigar, pois meus pensamentos eram muito grandes e inúmeros para permanecerem na minha cabeça.
-Eu não sei - Meu fio de voz pensativa e esperançosa, como alguém que relembra um saudoso antigo amor, me condenou a morte, não demoraria muito que a zombaria começasse.
E não deu outra, as duas gargalharam juntas e eu fiquei vermelho por completo, sabendo que a brincadeirinha se estenderia por horas até sair da mente delas.
-Você esta a fim de uma garota que nem sabemos se existe?!- Presumiu Nina com um sorriso malvado, piscando os olhos violeta para mim. Se tornando, a meu ver, o retrato do deboche. - Lembra-se de que vamos pra sua casa hoje? Não lembra C.?
-É... Lembro... Claro - Corei levemente mais uma vez, além de esquecer completamente, agora eu teria que atura-las com a ideia de que eu estava apaixonado, ou seja, eu não terei paz. E eu falo como se um dia eu tivesse tido.
-AH! Você esqueceu, não foi desnaturado? – Clarisse bradou, com os olhos azuis fervilhando em lascas de diamante raivosas.
-Não! De forma alguma. –Tentei me defender, pedindo-as que arrumassem minha bolsa para que enfim fossemos pra casa.
E eu cobri meu desenho, guardando meus materiais. E, esquecendo por um momento de tudo que me cercava, me fixei apenas nos olhos dela, um arrepio percorreu minha espinha, sorri de lado mesmo com essa estranha sensação. Consegui minha garota.
Fomos para minha casa, um não tão grande apartamento a cima da mercearia de minha mãe. Dois quartos, uma sala, uma cozinha e dois banheiros. Completamente bem decorado, e com isso, vulgo que todas as paredes eram brancas, portas de madeira que rangem quando tentamos fechar e móveis o mais prático possível para não precisar de muitos. É isso ai, lar doce lar.
Sentamo-nos na sala, logo após nossa entrada na casa e as maníacas escolheram uma comédia romântica qualquer, cujo eu não tive nenhum interesse em acompanhar, portanto peguei no sono, tendo devaneios nada agradáveis em minha meia consciência.
A garota estava deitada no chão. Suas costas emolduradas em sangue. Havia um garoto estranho a seu lado, de armadura macabra, preta.
A sala ao seu redor era escura, bolorenta e aparentemente fedida. Cheia de lodo. O que me fazia imaginar de cara uma infecção, principalmente pela quantidade de feridas abertas na menina.
Ele a segurava, ela por sua vez soluçava baixinho. Mesmo sendo curada, a mesma continuava incomodada e pareceu se virar pra mim quando ouviu algo. Corra. Esse pensamento invadiu minha cabeça, como se eu mesmo o houvesse criado. Ela o transmitira pra mim, eu não fazia ideia de como nem de porque eu sabia, mas procurei digerir suas palavras. Você precisa ir. Eu não sabia por que, mas a ideia de que ela ficaria me assustava e tentei responder: venha comigo.
Eu estou tentando. Respondeu.
E eu acordei num baque. Era madrugada, as garotas dormiam embrulhadas nos colchões e a tempestade lá fora estava forte, como se o céu sofresse por perder algo, um risco atravessou-o e eu jurei ver penas soltando-se dele. Contudo, bocejei, fechei a janela e me deitei novamente no sofá, pronto para o que prometia ser o cochilo do século.
© J.G ,
книга «The Last Hope».
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